Tarifaço de Trump ao Brasil: impactos podem chegar a São Marcos e comprometer exportações, mão de obra e crescimento local
Medidas adotadas pelo governo norte‑americano ameaçam cadeias produtivas brasileiras e acendem alerta em setores industriais do interior gaúcho, como o de móveis e autopeças; em entrevista ao São Marcos Online o administrador e presidente do Conselho Fiscal da CIC São Marcos, Flávio Sandi, fez uma análise detalhada sobre os impactos das tarifas na economia local.

Aérea da área industrial de São Marcos (RS), com destaque à fábrica da Bepo em primeiro plano — maior complexo especializado na produção de autopeças e componentes automotivos — e, ao fundo à esquerda, a unidade da Bontempo Móveis, referência na indústria moveleira. Ambas representam os principais setores industriais da cidade: metal-mecânica e madeireira. Foto: divulgação Bepo
A recente decisão do governo dos Estados Unidos de aplicar tarifas de 50% sobre uma série de produtos brasileiros acendeu o alerta em diversos setores da economia nacional. Embora as atenções estejam voltadas à macroeconomia, os reflexos podem ser sentidos diretamente em cidades industriais do interior, como São Marcos, na Serra Gaúcha. O impacto atinge não apenas as exportações, mas também o tecido social e produtivo da cidade, que já enfrenta gargalos estruturais como a falta de mão de obra e moradias.
Em entrevista ao São Marcos Online, o administrador e presidente do Conselho Fiscal da CIC (Câmara da Indústria, Comércio, Serviços e Agropecuária de São Marcos), Flávio Sandi, fez uma análise detalhada sobre os impactos das tarifas e também sobre as dificuldades locais para manter o ritmo de crescimento. Ele lembra que, embora atualmente a cidade não conte com indústrias exportadoras em grande escala como no passado – quando o setor calçadista liderava as vendas internacionais –, empresas locais ainda exportam móveis e autopeças, inclusive para os Estados Unidos.
“Se essas tarifas de 50% permanecerem, ficam inviabilizadas as exportações de autopeças e móveis, que são nossos principais produtos. A pressão vai ser por baixar preços, mas ninguém tem 30% de margem para absorver esse custo”, explica Sandi.
O impacto na economia brasileira e no setor exportador

Segundo os dados analisados pelo economista, estima-se uma perda de até US$ 15 bilhões nas exportações brasileiras com a nova política tarifária dos EUA, o que representa cerca de 0,6% do PIB nacional. Isso afetaria principalmente o agronegócio (café e suco de laranja), petróleo, aço e aeronaves — todos setores com interdependência de cadeias logísticas e fornecimento que envolvem empresas brasileiras de diferentes portes.
O Brasil exportou cerca de US$ 40,4 bilhões aos EUA em 2024, e importou US$ 40,7 bilhões, gerando superávit para os norte-americanos. Mesmo assim, o governo de Donald Trump incluiu o Brasil em um pacote tarifário que atinge também outras nações. O risco agora, alerta Sandi, é uma retaliação ideológica do governo brasileiro, como a aplicação da lei da reciprocidade econômica, o que poderia elevar ainda mais os custos de importação e inflacionar a economia.
“Se o Brasil aplicar tarifas também, é uma política de perde-perde. Nossa inflação vai subir e nossos custos também. Uma depreciação do real de 6% já está prevista, o que pode levar a inflação a 5,5% ao ano”, avalia o economista.
Efeitos locais: queda na produção e nas contratações
Apesar de São Marcos não ser diretamente dependente do mercado norte-americano como em décadas anteriores, o efeito indireto é preocupante. O encarecimento ou inviabilização de exportações compromete o funcionamento de cadeias inteiras — da produção à logística — afetando também empresas fornecedoras e a oferta de empregos.
“Se não exporta móveis, não compra matéria-prima, não emprega, não transporta. A cadeia inteira sente. São Marcos não tem volume grande de exportação agora, mas tem empresas envolvidas nessas cadeias produtivas”, destaca Sandi.
Além disso, o setor industrial local convive com um problema recorrente: a escassez de mão de obra qualificada. Com o pleno emprego ou a baixa disponibilidade de trabalhadores na cidade, empresas enfrentam limitações para expandir ou manter níveis de produção.
“O crescimento das empresas de São Marcos está comprometido pela falta de mão de obra. E não conseguimos atrair gente de fora porque não temos onde acomodar essas pessoas”, afirma o representante da CIC.
Falta de moradias dificulta atração de trabalhadores
Para enfrentar o problema, uma das apostas da entidade é apoiar projetos de habitação. A CIC está colaborando com um empresário local que deve lançar um loteamento voltado a trabalhadores com renda média, com terrenos destinados à construção de residências financiadas ou à vista.
“É uma solução de médio e longo prazo. Mas é necessário. A cidade tem estrutura, é atrativa, mas não tem onde alojar quem vem de fora para trabalhar”, aponta Sandi.
A importância de uma política industrial estratégica
Com um perfil industrial forte, São Marcos se beneficia diretamente da presença de indústrias como geradoras e distribuidoras de riqueza. No entanto, para que o município continue competitivo e atraente, é necessário um alinhamento entre políticas públicas habitacionais, de qualificação e de incentivo à produção — especialmente em momentos de instabilidade internacional.
“Cidades que não têm indústria têm orçamentos menores e menos qualidade de vida. Temos o privilégio de ter indústria e agora estamos vendo crescer também o setor agrícola. Mas precisamos cuidar para manter esse modelo sustentável”, conclui o representante da CIC.
Perfil de São Marcos (RS) — dados locais coletados pelo São Marcos Online
- Exportações 2024: US$ 25,0 mi (queda de 0,7% em relação a 2023).
- Importações 2024: US$ 17,0 mi (+9,5%).
- Saldo comercial: superávit de US$ 8 mi (0,1% do total).
- Exportações no 1.º semestre 2025: US$ 13,4 mi (+16,4% vs 1S2024).
- Importações no 1.º semestre 2025: US$ 12,0 mi (+51,1%).
- Saldo no semestre: US$ 1,5 mi (+30,5% no fluxo total) com superávit de 0,2%.
Parceiros principais:
- Exportação 2024: predomínio da Alemanha, Argentina e Bolívia, com os EUA participando com cerca de 10,4% do fluxo.
- Importações 2024 / 2025: os EUA também aparecem, mas com menor peso relativo, ao lado de Chile, Argentina, Alemanha e Paraguai.
Principais produtos exportados:
- Autopeças e componentes de transporte (~22 %), móveis (~19 %), máquinas e plásticos (~10–30 %).
Principais produtos importados:
- Equipamentos (bombas, máquinas‑ferramentas etc.) com ~19–20% no total de importações.
Análise de risco para São Marcos diante do tarifaço
Dependência sobre exportações para os EUA ainda é limitada, porém significativa para segmentos como autopeças e máquinas. A tarifa de 50% poderia inviabilizar contratos diretos, reduzir competitividade e fustigar pedidos dos EUA.
Produtos que já sofreram forte variação positiva nas importações em 2025, como máquinas-ferramentas e componentes (incremento de mais de 50%), podem ficar mais caros para empresas locais que importam dos EUA — afetando custos industriais internos.
Potencial perda de mercados atuais: mesmo que os EUA não sejam o principal destino, um recuo súbito da demanda americana poderia impactar cadeias exportadoras regionais, especialmente se houver redirecionamento para China ou Europa com barreiras logísticas ou burocráticas.
Valorização do mercado europeu e mercosul: avanço com Alemanha e Argentina em exportações pode absorver parte da demanda externa perdida dos EUA — mas demanda tempo e redes comerciais.
Fonte dos dados: Comex Stat